Assim como as flores têm o seu desabrochar durante a primavera, o cio das fêmeas para a reprodução no meio animal, percebemos que há, em síntese, um período para tudo na natureza.
Os políticos, seguindo essa linha do relógio natural a marcar a hora de sua hipocrisia, também tem o seu momento de falso sentimento e solidariedade ao próximo. Estamos a nos referir, em especial, à família do pranteado por ocasião dos velórios. Não perdem um, mesmo que na mais distante periferia da cidade. Podem até não conhecer o morto e seus familiares. O que lhes importam é o espólio eleitoral que possa usufruir da ingênua família. Marcam presença e fazem questão de serem notados. Não brigam entre si, da forma que os machos para definirem seu predomínio sobre as fêmeas em relação aos demais, porque tal gesto contraria frontalmente seus interesses. É o momento de se mostrarem contristados, revestidos, como ensinava Maquiavel, das mais belas virtudes humanas. Podemos não concordar com o teor da peça, mas é, convenhamos, uma cômica e divertida encenação.
Temos por vizinha, coincidentemente, a Igreja de São Benedito, local onde se realizam muitos velórios. Essa circunstância nos despertou, após uma longa observação, para a presente abordagem. Atualmente, por exemplo, ausente o período da campanha eleitoral, não vemos a presença dos políticos. É como se tivessem migrado ou em plena entresafra dos nobres sentimentos. Ausente a motivação, instigada pela burrice política, a verdade é que nada supera, na arte representativa, o múltiplo e magistral desempenho do interesse próprio.
Há poucos dias atrás, na referida Igreja, comentávamos a respeito desse comportamento, quando tivemos a oportunidade, coincidentemente, de contar um sonho bem a propósito. Os sonhos, como sabemos, são quase sempre estapafúrdios, sem pé nem cabeça. Ei-lo na sua esquisitice. O ano era de campanha eleitoral para escolha dos novos prefeitos e vereadores.
Num e de mágica, achava-nos na companhia de São Pedro que percorria o Brasil de ponta a ponta, para conceder aos candidatos em geral, durante e após a campanha eleitoral, o direito de expedir aporte das almas para o céu, contanto presentes aos funerais.
Finda a empreitada, transportamo-nos para um muro divisório entre o céu e o inferno. Aqui tive a oportunidade, num rápido olhar, de ver seus diversos degraus reservados aos condenados segundo o grau de seus pecados, como imaginava Dante. Também deu para ver uma pontinha do céu e algumas almas que chegaram durante as eleições. Exibiam, risonhas, os aportes que lhes deram direito de entrada. Do lado de fora, em sentido contrário, encontravam-se as que chegaram após o pleito. Protestavam para entrar, alegando terem sido honestas, justas e humanas. São Pedro, não mais ando o barulho, foi curto e grosso, dizendo-lhes: pouco me importam suas virtudes, sem a indulgência vocês terão de ar pelo primeiro degrau, reservado aos trouxas, aos crédulos e desatentos. Será por um breve tempo. Não fiquem contristados. Vocês serão justiçados. O último degrau, de horríveis castigos, está reservado para uma grande parte dos políticos, dos facínoras e autores dos crimes monstruosos. Sentindo-se aliviadas pela anunciada vingança, baixam a cabeça e, ensimesmadas, dirigem-se para o local recomendado.
Despertei e fiquei curioso por não ter esquecido nenhum detalhe desse estrambótico sonho. Mais ainda por perceber que em seu absurdo havia muito realismo. Assim, caro eleitor, se você acha que em seu velório, se resolver morrer no pós eleição, terá a presença de um político para conceder-lhe visto em seu aporte para o céu, é bem mais provável que você terá uma breve estadia no inferno.