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Cultura

“Creio que deverá estar aqui a capital da província”

Foi na cidade de Penedo que o imperador Dom Pedro II sentiu-se mais à vontade. Deixou registrado em seu diário: “O local é muito bonito e creio que devera estar aqui a capital da província”. Naquela época, em 1859, o lugar era um centro movimentado, porto de muitas riquezas. O São Francisco enchia de prosperidade os moradores da localidade.

O imperador assumiu o trono pouco antes dos 15 anos, um menino, ainda em 1840. Na ocasião, jurou manter a religião católica apostólica romana. Foi fiel. Somente em Penedo, esteve em seis igrejas. A primeira foi a do Convento dos Franciscanos, de 1739. A obra ainda é uma das mais bonitas da cidade. Guarda um belíssimo altar e o silêncio dos monges.

Foi bem detalhada pelo monarca: “A igreja é toda dourada com pinturas no teto e capela funda, à esquerda antes de chegar à capela-mor, pertencente à Ordem Terceira”. Falou dos morcegos que viu e também do junco, que parece capim, e cobria o chão em dias de festa.

Sobre o rio, Pedro de Alcântara mostrou-se preocupado. Não itia as barragens de terra. “Já chamei a atenção do presidente das Alagoas, como nocivas (as tapagens) à pobreza e à procriação do peixe”, escreveu. É bom frisar que esse “desabafo” foi há 150 anos.

Houve críticas também ao cemitério. “Tem uma vista muito bonita, precisando de muralha que o cerque, para a qual deu à Assembleia Provincial 4 contos, e já se tem gasto 2 com os materiais, não vendo a obra começada”, registrou.

Ainda no dia de sua chegada, 14 de outubro, foi à Câmara, onde viu retratos do pai, do avô e de si mesmo. Hoje o prédio é o Paço Imperial, museu pertencente à Fundação Raimundo Marinho, que guarda muitas das imagens da família real. O lugar, bem preservado, foi a casa do imperador, enquanto ele esteve em Penedo. É imprescindível uma visita.

Lá, encontramos uma peça que fazia parte do mobiliário, durante aqueles dias áureos. Trata-se de um relógio, dourado e de formas rebuscadas. A viagem no Paço é acompanhada pelo guia Jânio Matos, que trabalha no espaço há oito anos.

Ele nos mostrou o lugar onde teria ficado o imperador. Batia com a descrição do diário. “Atrás da casa onde moro, do comendador Araújo, há um terraço com bela vista para o rio, parte superior ao Penedo, e porto de desembarque, onde vejo as embarcações do rio”, revelou. Mas esse vai-e-vem de barcos ficou no ado.

agens em igrejas e fábricas de uma terra reveladora

Na expedição que refaz a viagem do imperador, tivemos a companhia da professora e agente de turismo Lúcia Regueira. Ela, inclusive, é uma das idealizadoras do projeto Rota do Imperador, que visa fazer da viagem de Dom Pedro um produto turístico.

Essa proposta é uma iniciativa do Arranjo Produtivo Local (APL) Caminhos do São Francisco e tem o apoio do governo do Estado. O projeto vai envolver 14 municípios, incluindo Propriá, em Sergipe, e Paulo Afonso, na Bahia.

No rastro do monarca, fomos à pedra que dá nome à localidade. Assim estava escrito no diário: “A rocha, o penedo, é de grés que serviu para as calçadas e edifício da cidade e pode ser utilizada noutras obras, tornando-se ramo de comércio”. Hoje o rochedo abriga um dos mais conhecidos restaurantes da região, famoso pela peixada.

Neno Canuto/Agência Alagoas

De lá, partimos para a Igreja de São Gonçalo Garcia, que existe desde 1758 e abre todos os dias. Sobre ela, Dom Pedro afirmou: “Não deixa de ser elegante e tem relevos em pedras grés, o interior não é feio e pena é que esteja arruinada”. Trata-se de uma construção austera, comparada aos outros templos.

Pequena é a Igreja de Santa Cruz, na Rua Fernando Peixoto. Mas no interior, uma surpresa: a imagem de Bom Jesus dos Navegantes, senhor da festa mais tradicional da cidade, no mês de janeiro. O evento reúne milhares de participantes e toma o São Francisco de devotos e pagãos.

Sobre a festa de Bom Jesus, foi rodado um documentário: O Homem, o Rio e o Penedo (Werner Salles — Núcleo Zero). Essa é mais uma iniciativa da Casa do Penedo, sob a batuta de Francisco Salles.

Interessante que foi também na Casa do Penedo que encontramos uma das personagens do diário de Pedro de Alcântara: a piranha. Ele ficou tão encantado com o peixe que o reproduziu de próprio punho. A tal piranha permanece lá, preservadíssima.

Observe o namoro: “Tem 12 dentes em cima e outros tantos em baixo, se não me enganei na conta, e estes últimos maiores, sendo todos muito agudos e de base larga; as escamas parecem douradas em muitos pontos; hei de vê-la de dia”. Hoje, pode ser vista por qualquer um. Basta estar na cidade e visitar a fundação.

A visita a Penedo, em dois dias apenas, foi de muitas descobertas. O imperador esteve ainda em quatro fábricas. Destas, não existe quase nada, a não ser ruínas. E pensar que, no empreendimento do comendador Araújo, preparava-se arroz e algodão para o comércio. Produziam-se caixas para charutos, biscoitos e óleo de mamona.

Neno Canuto/Agência Alagoas

O rei esteve ainda na feira, onde comprou apenas “três pucarinhos (vasos)”. Considerou os gêneros da terra muito baratos. Mas para ele, “o espetáculo mais curioso na feira é o dos barcos”.

Compareceu à matriz, que atualmente está interditada, por conta de obras; e à Igreja das Correntes — um capítulo à parte (templo riquíssimo e de proteção dos escravos), levantado pela família Lemos, com recursos próprios.

Foi à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida no século 17 pelos negros. Esse, de acordo com Lúcia Regueira, é um templo de adoração perpétua. Abre de domingo a domingo, das 8h às 18h.