
O sucesso do filme Ainda Estou Aqui e a conquista do Globo de Ouro pelo reconhecimento do talento da atriz Fernanda, juntamente com o ator Selton Melo, originou diversos artigos de vários autores nos órgãos da mídia nacional, logo após esta premiação. O livro, de mesmo nome no qual foi baseado este filme, do autor Marcelo Rubens Paiva não esgota e acredito que não esgotará discussões sobre o assunto que teve com base a prisão do seu pai, Rubens Paiva, pelos órgãos de repressão – período ditatorial do Brasil (1964 a 1985) – e seu posterior desaparecimento que persiste até hoje.
Os fatos narrados pelo autor não seguem um rigor cronológico, que torna a leitura mais interessante, principalmente pela clareza e elegância como o assunto é tratado, e diferentemente de outros livros que tratam de fatos ocorridos no período ditatorial, traz duas situações distintas, porém conectadas e inseparáveis. Uma é a trajetória profissional e política do seu pai culminando na sua prisão efetuada pelos órgãos de repressão da época, quando sua casa foi invadida ilegalmente sem nenhuma justificativa, coisa normal da época, e seu pai conduzido para uma das diversas prisões destinadas as pessoas denunciadas – muitas sem provas – como subversivas, terroristas e principalmente comunistas porque por não aceitavam o regime e seus procedimentos de tratamento dos detidos. Depois de sua prisão não foi mais visto.
A outra é a transformação de sua mãe, Eunice Paiva, de uma socialite que tinha tudo a sua disposição, em uma esposa de preso político ativista pelos direitos das pessoas ilegalmente presas, tornando-se a provedora e responsável por sua família, principalmente considerando que os recursos financeiros de seu marido que eram suficientes para manter um padrão de vida de alto padrão, foram bloqueados pelo governo.
Para sustentar a família e lutar pelo direito de saber o que de fato aconteceu ao marido, pois oficialmente simplesmente desapareceu quando o veículo que efetuava a sua transferência de presídio foi atacado e o prisioneiro resgatados por terroristas, a mãe do autor ingressou na faculdade de direito e após concluir o curso tornou-se uma advogada de sucesso, recebendo bons honorários pelas causas defendida, enquanto continuava ingressando com ações e recursos para que fosse esclarecida a razão verídica que causou a morte e desaparecimento de seu marido, pois a suspeita era que os agentes do governo exageraram na sua tortura causando-lhe a morte e ocultaram o seu cadáver. Oficialmente era desaparecido (não morto) pelas autoridades e juntamente com a apuração de quem foram os responsáveis por este ato expedindo-se, assim, o devido atestado de óbito que restabeleceria os direitos da família.
O autor mostra, magistralmente, na sua obra, como sua família ou do “céu” para “inferno” quando seu pai, que era deputado federal cassado pela ditadura, teve a infelicidade de concordar em trazer no retorno de uma viagem ao Chile, cartas endereçadas a familiares e amigos remetidas por exilados em sua bagagem. Mesmo longe de ser um ativista revolucionário, pois após a cassação do seu mandato voltou-se a se dedicar a sua próspera empresa de engenharia e apenas realizava esporádicos contatos com amigos que eram contra o regime instalado, porém sem envolver-se em qualquer conspiração revolucionária, a sua mala foi estranhamente detida na sua chegada e as cartas apreendidas, sendo este o motivo da posterior prisão, tortura e morte. Estas apreensões e prisões arbitrárias aconteciam frequentemente período nebuloso.
Em nenhum momento o autor em seu livro demonstra ódio pelos autores do crime, como também narra em vários trechos que este sentimento em nenhum momento foi demonstrado por sua mãe, mas apenas o sentimento de que a justiça não foi feita e nenhum pedido de desculpa efetuado.
O atestado de óbito de Rubens Paiva foi expedido por forma de lei 9.140 de 4 de dezembro de 1995, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que minorou a dor da família, mas que ainda não encerrou o caso, pois inexiste culpado além do Estado.
A leitura do livro deve levar as pessoas a realizar várias reflexões, entre elas quantos Rubens Paivas foram torturados, mortos e tiveram o corpo sumido pela ditadura? Como defender o retorno de um regime deste?
A democracia não é o regime ideal, mas temos a opção de mudar o presidente da república de quatro em quatro anos e na ditadura?